sexta-feira, 14 de junho de 2013

Cientistas buscam novas ferramentas para caçar novos vírus

Surtos provocados por variações de vírus já conhecidos colocam autoridades de saúde em alerta: mundo não pode ser dar ao luxo de relaxar, dizem especialistas

   Uma nova gripe, H7N9, matou pelo menos 36 pessoas desde que foi encontrada pela primeira vez na China há dois meses. Um novo vírus da família SARS vitimou outras 22 pessoas desde que foi encontrado na Península Arábica no verão passado.   Nos últimos anos, talvez isso pudesse ter sido motivo para pânico. No entanto, as vendas de frango e carne de porco não caíram, como ocorreu durante surtos de gripes ligadas a suínos e aves. O número de viagens para Xangai e Meca não diminuiu, nem houve alertas pelo fechamento de fronteiras nacionais.
   Será que essa reação relativamente calma é adequada? Ou o surgimento simultâneo de duas novas doenças sugere algo mais grave? Na verdade, dizem os especialistas, a resposta para ambas às perguntas pode muito bem ser sim.
  “Fizemos um excelente trabalho a nível mundial nos últimos 10 anos”, diz William B. Karesh, veterinário especialista em vida selvagem e chefe de políticas de saúde da EcoHealth Alliance, que monitora epidemias entre animais e seres humanos.
Coronavírus: novas doenças e vírus estão surgindo cada vez mais rápido, colocando autoridades de saúde em alerta

   “Em comparação à H5N1 e SARS, estamos resolvendo o problema dessas doenças muito, muito rápido.”
   Mas ele acrescenta que “as pessoas se tornaram insensíveis ao longo do tempo – pensando ‘Ah, OK, outra doença’”.
   Já os cientistas dizem que o mundo não pode se dar ao luxo de relaxar. A ameaça é real. Novas doenças estão surgindo mais rápido do que nunca.
  O parasitologista Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, chegou mesmo a citar um número: 5,3 novas doenças a cada ano, com base em um estudo que utilizou dados de 1940 a 2004. Ele e seus coautores culparam o crescimento populacional, o desmatamento, o uso excessivo de antibióticos, a agricultura industrial, o comércio de animais vivos, a caça de animais selvagens, as rápidas viagens aéreas e outros fatores.
   Alguns aspectos dos novos vírus são assustadores. O coronavírus árabe – agora oficialmente denominado MERS, que quer dizer síndrome respiratória do Oriente Médio – matou cerca de metade das pessoas que infectou, enquanto a SARS matou menos de um quarto; em laboratório, o vírus se replica mais rápido do que a SARS, penetra as células do pulmão mais facilmente e inibe a formação de proteínas que avisam ao corpo que ele está sob ataque.
   Em seu discurso de encerramento na reunião anual dos ministros da saúde do mundo realizada recentemente, Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial de Saúde, disse que o vírus era agora a sua “maior preocupação”.
   Até especialistas descobrirem onde ele se esconde e como infecta os seres humanos, “estamos de mãos atadas no que diz respeito à prevenção”, disse ela. “São os sinais de alerta, e nós temos que reagir”.
   A gripe H7N9 foi fatal em um quarto dos casos conhecidos – a gripe espanhola de 1918 matou apenas dois por cento de suas vítimas – e já tem uma mutação perigosa, que facilita a replicação nas temperaturas do corpo humano.
    Ainda assim, a melhoria da vigilância significa que tais ameaças estão sendo encontradas mais cedo, possibilitando que haja tempo para desenvolver contramedidas, como vacinas, e diminuindo a probabilidade de que um vírus como o da gripe de 1918 volte a matar milhões de pessoas.
   Isso também significa que o fato de surtos de doenças desaparecerem de maneira despercebida agora disparam alarmes, para melhor e para pior. Cinquenta anos atrás, até mesmo o temido H5N1 da gripe aviária, que surgiu em 2003 e mata cerca de metade de suas vítimas, pode ter se perdido. É tão raro ela passar para seres humanos que até o momento permanece basicamente um problema aviário: ela já matou milhões de frangos e alguns rebanhos de aves selvagens, mas em uma década inteira ceifou apenas 364 vidas humanas, e só sabemos disso porque é possível distingui-la de outras gripes por genotipagem.
   A capacidade do mundo de detectar novas doenças se acelerou tanto por razões técnicas quanto por razões políticas. Em primeiro lugar, hoje o sequenciamento genético é feito rapidamente em muitos laboratórios.
   Em segundo lugar, hoje é possível ter acesso imediato a descrições precisas de sintomas. Serviços de notícias on-line, como o ProMED, dispondo de cientistas-membros em todo o mundo, emitem diversos relatórios diários a respeito de surtos de doenças de todo tipo, desde a murcha bacteriana da banana até o Ebola humano, passando pela febre catarral ovina. Além disso, sequências genéticas de novos vírus são frequentemente colocadas em bases de dados públicas, de modo que o percurso que percorrem pode ser rastreado.   Os cientistas descobriram, por exemplo, que uma convenção da juventude católica realizada em Sydney, Austrália, em 2008 atraiu cepas de influenza que semearam novos surtos em todo o hemisfério norte.
   Em terceiro lugar, e não menos importante, os países que costumavam esconder os surtos ocorridos em seu território agora admitem quando são acometidos por eles. Seria praticamente impossível agora, por exemplo, repetir o que aconteceu na África na década de 1980, quando presidentes do continente insistiram durante anos que não havia ninguém com AIDS na região.
   Ocultar um surto significa hoje uma violação dos regulamentos da Organização Mundial de Saúde, adotados logo após a epidemia da SARS. As regras exigem que os membros divulguem qualquer evento de saúde pública que possa se espalhar para além de suas fronteiras.
   Tanto a H7N9 quanto a MERS se encaixam nessa descrição. Ambas não são facilmente transmissíveis, embora seja quase certo que as duas infectaram membros de uma mesma família, enfermeiros ou colegas de quarto do hospital depois de uma longa exposição. A maior parte das mortes causadas por ambas foram de pacientes idosos com problemas de saúde. O que é mais preocupante é o fato de que ninguém sabe de que maneira esses vírus infectam suas vítimas.
   A H7N9 é uma gripe aviária que é uma mistura de genes de galinhas domésticas e aves aquáticas selvagens. Mas muitos chineses acometidos pela H7N9 não tiveram contato, até onde se sabe, com aves, e a doença foi encontrado em aves em pouquíssimos casos. Ao contrário da H5N1, ela não dizima bandos de aves, de modo que é difícil de rastrear o seu percurso. Seu padrão de propagação se concentrou basicamente no entorno de Xangai, sugerindo que ela atacou principalmente aves, não pássaros migratórios.
   Uma década atrás, a H5N1 também começou na China, mas se propagou em direção ao oeste, em ziguezague, quando aves aquáticas selvagens passaram o verão compartilhando lagos da Mongólia com espécies que seguiram rumo ao sudoeste, para a Europa Oriental, o Egito e a África, e foram atingidas por tempestades que as levaram até a Grã-Bretanha.
   As origens da MERS são ainda mais intrigantes. Os cientistas entendem que ela foi transmitida por morcegos, porque ela é geneticamente mais próxima do coronavírus encontrado neles do que a SARS ou do que os quatro coronavírus humanos de que se tem notícia, responsáveis por provocar os resfriados comuns. Porém, embora morcegos que habitam o México, a Europa e a África tenham vírus semelhantes, ainda não foi encontrado nenhum caso entre morcegos, camelos, cabras árabes, nem em outros animais que pudessem vir a transmiti-lo para os seres humanos. Agora, os médicos estão procurando isolar os doentes e tratá-los com os antivirais oseltamivir e zanamivir contra H7N9, e com ribavirina e interferon, contra MERS.
   Se começar uma epidemia de um dos vírus, o próximo passo será a vacinação.
   Os Centros de Controle e Proteção de Doenças (CDC) começaram a fabricar uma vacina contra a H7N9 no início de abril.
   A primeira das várias possíveis pode estar pronta para ser encaminhada aos fabricantes até o final de maio, disse uma porta-voz. Não é possível prever quanto tempo será então necessário para produzir e embalar milhões de doses, disse ela, mas o processo deve levar pelo menos seis meses.
   A produção de uma vacina contra a MERS vai demorar muito mais tempo, afirma Mark A. Pallansch, diretor da divisão de doenças virais dos CDC. Apesar de vacinas contra a gripe serem produzidas em todo o mundo há 60 anos, a busca de uma vacina contra o coronavírus decaiu desde a epidemia de SARS.
   Até recentemente, as partes mais interessadas eram os criadores de aves, dado que o coronavírus é letal para os perus. Os coronavírus são extraordinariamente complexos, de modo que encontrar alvos potenciais para as vacinas tem sido difícil, e os extensivos testes de segurança custam caro. Além disso, apenas recentemente foi encontrado um modelo animal para a realização de testes – os macacos, nos quais o vírus provoca pneumonia.
* Por Donald G. McNeil Jr

FONTE: IG